Para responder essas questões recorro a algo bem simples: acreditos que o cinema ainda funcione muito na base do “o que será que vai acontecer?”, não mais como no cinema das origens onde, é claro, tudo convergia para essa ação, tudo era em função do ato que ia acontecer e finalizar o filme, porém ainda creio que é essa curiosidade que nos prende à cadeira do cinema e nos impede de levantar no meio da exibição. Vejamos o caso de Annie Hall de Woody Allen, além da passagem em que Alvy Singer (protagonista) discute na fila do cinema e chama Mc Luhan para finalizar sua discussão, há uma outra parte em que o personagem principal está num flerte com uma personagem e o diálogo se torna extremamente culto, então embaixo aparecem legendas que na verdade não significam a tradução da conversa e sim o pensamento dos personagens. Momentos como esse servem para lembrar que estamos diante de um filme, mas não é pela quebra da diegese que o espectador deixa de assisti-lo, porque ainda há a pergunta: o que vai acontecer? Pelo contrário, isso é até incorporado ao filme e o torna mais interessante, se algo assim diferente ocorre, o leque de opções para a continuação do filme aumenta, tudo pode acontecer. Encontramos aí o grande diferencial do cinema de narrativa clássica para o cinema alternativo. No filme de narrativa clássica, quase tudo é previsível, mas mesmo assim continuamos assistindo porque há a incerteza (o que vai acontecer?), não acreditamos no óbvio enquanto ele não acontece. Os filmes fora dos padrões Hollywoodianos por sua vez podem até utilizar técnicas clássicas, mas o leque de opções do que pode acontecer na história aumenta.
Estranho o fato de se sabemos o que vai acontecer, porque tanta gente ainda prefere a narração clássica? Não tanto. Nos filmes de terror, ficamos o tempo todo com medo do que está no extracampo aparecer no campo, o campo é assim o nosso espaço de segurança, ao qual nós nos apegamos, pedimos ao personagem para não fazer “isso” ou “aquilo” para manter-nos seguro do que irá aparecer para nós, assim acreditamos ser o apego à narração clássica um certo medo do desconhecido, do diferente, tudo o que é novo assusta, prefere-se muito a segurança do que é previsível.
A linguagem cinematográfica também ajuda muito na manutenção da diegese, porém como dito não apenas pela impressão de realidade, mas pelo fato de ajudar a manter a curiosidade da audiência. Voltando ao filme “Annie Hall” existe um momento em que o personagem principal retorna ao passado, motivado por uma lembrança, à sua casa e ele assiste junto com seus amigos um almoço de sua família (não há nenhum motivo diegético que justifique ele e os amigos aparecerem na cena assistindo-a e comentando-a), tem-se um corte e logo depois ele é apresentado à família de sua namorada, conhece então o irmão dela que fantasia com o suicídio em um acidente de carro, há um corte e na cena seguinte vemos o protagonista com cara de assustado num carro dirigido pelo irmão de sua namorada. Essa seqüência que obviamente pretende causar humor é feita com vários cortes e desde o começo percebe-se que não há, por assim dizer, a vontade de fazer uma seqüência que imite a realidade como ela é, e mesmo assim prende o espectador. Logo, podemos dizer que o aperfeiçoamento da linguagem cinematográfica ajuda também na criação do efeito “o que será que vai acontecer?”. Assistimos a um produto audiovisual sempre motivados a saber o que ocorrerá na próxima cena.
Já coloquei minha opinião sobre as diferenças entre o padrão Hollywoody e o cinema alternativo, então enfatizo que ao melhor estilo “Escola de Frankfurt” acredito que a arte deve elevar o ser e isso não pode ocorre através de fórmulas e repetições do mesmo produto mascarado com pequenas diferenças, apoio a idéia de arte de vanguarda, acredito que é sua função fazer avançar o pensamento em qualquer área mesmo que seja apenas “arte pela arte”.
*Diegese = Efeito provocado pela maioria dos produtos audiovisuais que faz o expectador abstrair a sua condição de platéia de um produto ficcional. Ou seja, a impressão de realidade que os filmes, seriados, novelas etc causam no expectador.