Da Liberdade de Escolha ou Viagem ao Reino das Palavras
Algum tempo atrás li algo interessante sobre um dos motivos, até então meu desconhecido, da imparcialidade no texto jornalístico fazer parte de uma constante e inatingível busca. Quanto à constância, não vou perder meu tempo explicando, já que faz parte de uma ética que tentará me guiar quando, caso se, exercer a profissão. Inatingível porque, em relação ao motivo (o porquê) citado, que me motiva (estimula) a utilizá-lo como motivo (tema ou desculpa) introdutório do texto, é impossível escrever um texto, jornalístico ou não, desacompanhado da força esmagadora e castradora da liberdade de invenção. Aliás, o mal não é necessariamente a liberdade de invenção. Ela está à mercê e não passa de mera rebenta da liberdade-mãe, muito mais repressora e sufocante, a liberdade de escolha. Escolher é doloroso. Nos faz ganhar e perder simultaneamente, e não estou me referindo nem aos efeitos positivos e negativos de uma escolha específica em uma situação específica. Não estou divagando se “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Estou afirmando que a segurança desse pássaro na mão, sua posse, não nos livra do I.C.E.P.E. (Inevitável Conflito Existencial Pós-Escolha), vulgo “e se”. Depois de passados angustiantes segundos, minutos, horas ou até dias de balanceamento mental das qualidades e defeitos de três meras e malditas opções, mutuamente excludentes, nos deparamos com um saldo de um ganho e duas perdas, uma certeza na mão e duas voando e, por mais acertada e deliberada que tenha sido a escolha, o espectro do “e se” vem do passado nos fazer arrepender do que não fizemos e amargar a perda do que poderíamos ter conseguido.
Para você que não entendeu como tudo o que foi dito até agora se relaciona com a parcialidade de um texto, o que acho bem provável, vou explicar sem rodeios: ao optarmos por determinada palavra a ser colocada no início da primeira frase do primeiro parágrafo de um texto, podemos estimar quantas estão sendo rejeitadas com o auxílio de uma edição-monstro do dicionário Aurélio com cerca de 2000 páginas. Todo processo de escolha é parcial, porque demanda juízo de valor, atribuição de importância, abdicação das possíveis abordagens, conotações, cargas semântica e ideológica dos vocábulos desprezados, que tendem ao infinito, em nome do efeito maciço, palpável e realista da palavra contemplada com a bênção da participação num texto. Não há Jornalismo isento ou imparcial pela razão óbvia e entranhada na profissão de que não há comunicação sem tomada de posição.
Sei que pode parecer contraditório a existência de uma liberdade repressora, embora ache que ela não seja tão danosa porque boa parte das pessoas (não direi todas porque tenho autoridade para me excluir desse esquema) não tem plena consciência, ou, se tem, não o faz de maneira conscienciosa, de que o processo de que se valem para escrever um texto, a inclusão excludente, é o mesmo empregado na escolha do emprego, da namorada e nos jogos de loteria. Com a diferença crucial que, por questões de desinformação ante esse processo, no caso positivo, e de indiferença literária, no caso negativo, namoradas, empregos e bilhetes azarados causam bem mais dores de cabeça. Benditos sejam os alienados, despreocupados ou sortudos que não lerem ou ligarem para esse texto. Deles é o Reino das Palavras.
Isaac Bruno