1 de dez. de 2007

Perguntas

Três amigos foram num bar. Beberam, se divertiram. Conversaram sobre tudo o que se conversa num bar, ou seja, de futebol à efemeridade da vida, passando por mulheres, relacionamentos, os meandros da politicagem brasileira e a síntese kantiana. Já eram quase três horas da manhã quando resolveram ir para casa. Pediram a conta.

O simpático garçom a trouxe: 15 reais. Uma pechincha! O dono do bar era amigo pessoal deles - abrira várias cervejas de graça, tomando apenas um copo. Pois bem, cada um sacou uma nota de cinco da carteira e entregou. Quando o dono do bar foi receber, viu que eram seus amigos pagando e, mais para lá do que para cá, pegou 10 reais para o caixa e mandou o garçom devolver-lhes a outra nota de cinco.

O Garçom, muito sabiamente, percebeu que não seria fácil devolver 5 reais para 3 pessoas bêbadas: haveria algum tipo de discussão inconveniente. Teve então a genial idéia. Sacou do bolso direito da sua camisa 5 notas de um real e guardou aquela nota de 5 no referido bolso. Pegou duas das mais velhas daquelas cinco notas e guardou no bolso esquerdo de sua calça social. Entregou uma nota de um real para cada um dos 3 amigos.

Agora. Pense bem! A conta acabou saindo por 4 reais (5 – 1) para cada um. 3x4 = 12. 12 + 2 (que ficou no bolso da calça do garçom) = 14. Engraçado... onde foi parar o outro real?

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Toda pergunta contém em si a sua resposta. A boa prática científica funciona assim: se eu quero pesquisar um tema, devo ter algum juízo prévio sobre o assunto que servirá de guia. É claro que se deve ter flexibilidade para rejeitar o juízo prévio ao longo da pesquisa. Mas ele é necessário como norte. Para pesquisar alguma coisa, primeiro temos que saber o que nos inquieta. E para que algo tenha esse efeito sobre nós, provavelmente temos algumas hipóteses para responder a pergunta, que serão testadas ao longo do trabalho.

Essa história é um típico exemplo de erro na pergunta que acaba por conduzir a ausência de resposta. Não vou dizer qual o erro, é claro! Divirta-se!

Mas ela me faz pensar nas várias “perguntas filosóficas clássicas” que permanecem sem resposta. Será que elas não padecem do mesmo erro?

Por exemplo, aquela santíssima trindade: “o que somos, de onde viemos e para onde vamos?” (nas suas mais variadas proposições). Fora milhões de outros temas. Não preciso aqui perder tempo dando exemplos quando você mesmo (ou mesma, para entrar no clima dessa forçada igualdade de gênero na linguagem) sabe.

Uma imagem muito boa para isso é a da vibração de uma corda. O movimento (harmônico) que ela exibe se tocada não vem do toque, mas de propriedades inerentes à corda. Será que ficamos procurando pelo dedo que toca a corda, ao invés de descobrir quais são as propriedades dela?
Será que durante mais de 3 séculos buscamos em vão respostas para as perguntas que de fato não tem resposta? Mas só porque fizemos perguntas que contém em si a inexistência de resposta. E qual é a pergunta que nos permitirá chegar numa resposta? (já até abandonei o “pergunta certa” agora).

Para terminar numa perturbadora circularidade (ao menos para mim): será que questionar sobre as perguntas que nos fazemos é uma pergunta com resposta?

4 comentários:

Isaac disse...

Eu realmente não saberia te dizer se a "santíssima trindade", por exemplo, não conquista respostas por partir de pressupostos errados. Você levantou uma hipótese provável, mas se esqueceu de considerar a também provável - e desalentadora - hipótese de que, em vez de erros de formulação, talvez o que essas perguntas possuam sejam respostas complexas, dessas que - os casos na história são muitos - demoram séculos para serem alcançadas. Quanto à sua pertubadora circularidade, existe um ramo da filosofia denominado epistemologia, que estuda justamente o modo pelo qual adquirimos conhecimentos. Para a epistemologia, questionar sobre as perguntas que nos fazemos é, com certeza, uma pergunta com resposta. Abraço e perdão pelo texto cafona.

Anônimo disse...

Vitor, G-E-N-I-A-L o seu texto. Me lembrou um professor que tive no segundo período da faculdade, de Pensamento Filosófico e Científico (um figura, aliás). De fato, a humanidade carece mais de perguntas do que de respostas. E isso é o maior papo de mesa de bar!
Quanto aos três amigos, confesso que quase me enganou. Mas eu tenho uma desculpa: acabei de enfrentar aquela prova gostosinha de história da UFF.
=***

Anônimo disse...

Você anda reclamando que eu não comento nos seus texts...pois é, esse é um texto que preciso comentar...e não é só pelo fato de eu ter postado uma poesia ontem...é pelo fato de que a questão que vc aborda no texto é extremamente interessante , e inclusive abriu a a minha mente para pensar algumas coisas de outras formas, e acho que em breve terei um texto que será fruto desse seu...Obrigado...

Flávio disse...

Como é que a Érica colokou uma foto dela?