É estranho! Todas as noite ele sai com a galera para conversar e volta com um imenso vazio no peito. Como se as conversas sugassem a sua força vital e retirassem dele parte do ser que era. Se eram conversas animadas? Sim, eram conversas bastante animadas, o que nos faz concluir que era a ele que faltava ânimo. Obviamente e disfarçadamente já não apreciava tanto a companhia dos amigos, apesar de ter por eles uma enorme estima. Sabia então que estava às portas de mais uma crise em que aflora a sua essência paradoxal, mais uma vez seria forçado a lutar uma batalha em que qualquer que seja o resultado ele perderia. Se sentia apenas triste e sozinho, a sua solidão por mais clichê que seja era extremamente acompanhada, a solidão era de dentro para fora e não de fora para dentro como a maioria das solidões.
Na verdade seus encontros sociais estavam virando quase uma droga, viciante, não sabia ao certo se queria cortar e até eram bons enquanto ainda estava mergulhado neles, porém o efeito posterior era devastador para a sua alma. As conversas lhe pareciam divertidas, porém as conversas divertidas são repletas de lacunas, e essas lacunas pareciam estar tomando corpo. Queria dizer o mundo, gritar coisas importantes, falar sobre arte, literatura, ontologia, filosofia, mesmo sabendo que essas duas são praticamente a mesma coisa, mas não sabia como, ele infelizmente não sabe como começar uma conversa inteligente, ele mal sabe como começar uma conversa tola com uma garota na boate. E isso o entristecia, sabia ele que o seu pior adversário era si próprio: a sua eterna insatisfação diante da vida, a sua sensação constante de derrota, a sua limitação em se expressar...
Sabia que a inteligência e a cultura eram caminhos de solidão, só que ele não era tão inteligente, nem tão culto, então porque tão só? Sabia que mais dias, menos dias iria se deparar com a sua solidão, não a morte não é nem de longe o pior inimigo de um homem, pelo menos não deste. E inconsolavelmente nem para ela ele saberia o que dizer. O que converso eu com a minha solidão? Poderíamos sentar, chamar uns amigos e jogar sueca.Mas isso seria Kafkiano demais e ele prefere o realismo fantástico de Gabriel Garcia Márquez.
Sim, as estirpes condenadas a cem anos de solidão jamais terão uma outra chance sobre a face da terra... Queria ele viver cem anos sobre a face da terra, aprenderia mais, teria mais tempo para ir a museus, shows, teatros, mas ele tem a impressão que ele faz isso sozinho demais. Na verdade ele não é tão só, tem uma alma profunda demais, se quisesse poderia repartir a alma em pedacinhos e criar várias personalidades que lhe entretessem. Porém, isso se chama esquizofrenia e ele já tem muitos problemas.
Ele sente uma enorme pressão para ser alguém na vida. Ele já inventou nome, posto, camada social, profissão, personalidade e tudo o mais, apenas não sabe como fazer para chegar a ser esta pessoa. Na verdade, ele sente um intenso medo de que esta pessoa já exista, pois ele também não sabe ao certo o que dizer para tal pessoa.
Não e sim. Ele sabe que tem que dizer mais, muito mais do que ele expressa numa noite boêmia nas ruas do Rio de Janeiro. Só que as palavras são feitas do mesmo material etéreo que são feitos os pensamentos, e em seu egoísmo ele guarda as palavras para si mesmo. Talvez, se por um momento conseguisse criar uma fenda em seu casulo social, aí sim ele dissesse as palavras não ditas, aquelas que ficam nas entrelinhas, no interstício, no intrínseco de seu próprio ser, ele talvez fosse feliz ou talvez não fosse compreendido e tudo soasse apenas como uma epifania ou um momento de loucura...Então, é por isso que ele escreve...