17 de mar. de 2008

Insensível

Ela está chorando. Não, não está aos prantos. Apenas derrama lágrimas eventuais sob o ritmo da respiração ofegante.

Era uma catarse. Na televisão, passava o "Reporter Record", programa desses de jornalismo-denuncia. O tema era maus tratos a idosos. Já próxima dos seus 60 anos, se identificou com o drama que muito em breve poderia ser dela. A dimensão de tempo é muito interessante, mais uma vez. Por que eu não fiquei tocado com as fortes cenas? Minha primeira resposta foi: porque ainda estou muito distante temporalmente dessa realidade - sou ainda um jovem onipotente.

Há outros motivos. Não acredito na veracidade daquelas imagens. Não na veracidade objetiva, de que aquelas pessoas em especial sofram de maus tratos. Embora eu não seja tão inocente a ponto de achar que não exista maus tratos a idosos em muitos asilos, e também por enfermeiros particulares, acho as imagens da televisão bem feitas demais para serem reais, como se propõem. Não quero entrar muito no mérito da questão.

E daí? A ficção é muito mais interessante que a realidade. Na ficção pode-se isolar o que na realidade aparece misturado e confuso. O programa é extremamente bem construido: datas, horários, clima, câmeras ligeiramente mal gravadas, narração com pausas no tempo certo! Um certo ar de clandestinidade... a informação é dada na medida certa - uma generalidade específica, só um buraco de fechadura é mostrado.

Será insensibilidade minha mesmo? Nenhuma lágrima? Eu sou uma das poucas pessoas que conheço (vou forçar a barra e dizer que me conheço) que ainda crêem no ser humano. Não na humanidade, mas em alguns indivíduos. Esses que tratam mau (espancam e humilham mesmo) os idosos estão no grupo dos que vão sem escala para... nem sei... para a casa do BBB, versão Abu Ghraib (espaço exíguo, sem academia, hidromassagem etc).

Bem... acho que é só insensibilidade mesmo. E uma questão de grau. A insensibilidade contra a qual todos lutamos. Na luta que nos faz humanos.

4 comentários:

Bruh disse...

É, você acredita demais no ser humano. :]

Anônimo disse...

Eu também acredito no ser humano. Existem pessoas tão incrivelmente boas que me fazem ter vontade de seguir em frente, de fazer alguma coisa de bom, de dar algo maior de mim. Por outro lado, não consigo mesmo entender o que se passa na cabeça de gente que abusa de crianças, que maltrata idosos, que acha bacana ver o sofrimento e o desespero de outras pessoas tão reais quanto ela própria. O sangue às vezes me cega. Confesso.

Monalisa Marques disse...

Não sei se com você funciona da mesma forma mas, comigo, a insensibilidade é "de lua". Dependendo do meu humor, sou insensível e vice-versa.

E quanto às narrações, estas são feitas de acordo com as pausas, por isso a perfeição. Conta-se o tempo que se tem pra falar determinada coisa. A não ser que vc não esteja falando das narrações do repórter...

Anônimo disse...

Achei muito engraçada a parte da casa do BBB...
Foi surpreendente.