17 de jul. de 2007

Paulista

Quando desembarquei (não... não vim de barco: os rios aqui são por demais poluídos) meu nariz avisou imediatamente a baixa umidade do ar. O peso da falta de oxigênio foi agravado por uma baforada de nicotina que recebi de um transeunte. O impacto foi de um soco no rosto. Parece que se fuma bastante por aqui. É uma tribo engraçada, aliás. Todas as mulheres andam muito bem pintadas. Uma pintura que parece querer realçar a falta de beleza de seus corpos, como que para tirar os olhares masculinos de suas cinturas.

Caminho. Caminho. Não levo nenhum esbarrão. Aqui as pessoas desviam, evitam colidir umas nas outras, como noutros centros urbanos. Só me resta a dúvida do motivo: excesso de humildade ou falta de calor humano? O segundo está estampado nas faces sisudos e distantes, mas o primeiro aparece quando peço orientação e recebo um sorriso fácil e muito empenho em ajudar. É... na dúvida, acho que estou errado! Deve haver um terceiro motivo, que o olhar estrangeiro não consegue captar.

O passeio turístico é ver prédios. Alguns de arrojadas linhas modernas que desafiam a gravidade. Outros com a classe dos tempos de outrora, mínimos detalhes e enfeites. Todos grandiosos devoradores do horizonte. Cada um conta um pedaço da história da cidade que definem. Contam sobre os juízes, sobre a fé de seu povo e sobre as constantes reviravoltas do mundo dos negócios. O ócio aqui é negado a todo instante. A pressa é tanta que o tráfego de pessoas flui tranquilamente: “para ir, as pernas estão num automóvel – sem andar”. O ócio aqui clama por seu lugar, forçando-se no meio dos veículos parados pelo congestionamento.

No parque, os nativos atiram-se na grama como que para equipararem-se a ela e compartilharem a forma peculiar dos vegetais de obter energia do sol. Um sol entre nuvens. Nuvens que derrubam fina garoa. A garota de Ipanema não vem nem passa. Só cantam suas belezas nos botecos do centro. Mas a felicidade do amor platônico supera em muito o desgaste de conviver com a irritável garota todos os dias.

Não só de elegância se vive. Vi pobreza também. Mas só por trás de um vidro fumê. Parece que as classes sociais não se misturam por aqui. Cada um tem o seu lugar, bem distante um do outro. Sua tribo. Seu espaço. Sua galeria. Para os turistas, como eu, só se mostram o luxo e a beleza. Beleza que, sim, aqui põe a mesa – a comida parece estar elevada ao nível de obra de arte para satisfazer não só as necessidades do corpo como também as da alma.

Caminho. Caminho. Até que não foi um caminho longo. Mas tudo parece grande, espaçoso. Vultos diluem-se na paisagem. Da Liberdade ao Marco Zero, do Marco Zero ao chá, do chá ao mais famoso cruzamento do Brasil. Passei pela decadência de uma augusta rua e tão logo estava de volta na mais paulista das avenidas. Pronto para fazer todo o trajeto de novo, como se o relógio tivesse parado enquanto eu andava.

Mas o meu caminho agora era o marginal. E do marginal para seguir a rota do Sr. Eurico Gaspar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ser turista é a melhor coisa que existe. Pena que a gente sempre esquece que é, afinal, turista da vida...

Anônimo disse...

As impressões de um turista são sempre interessantes, apesar de serem geralmente mais uma foto que um filme...
Abcs, Guga

Grupo Jovem Filhos do Céu disse...

Sou obrigado a discordar do comentário acima... um turista sonhador e atento e que passe tais "sentimentos" vêem um filme e não apenas uma foto.
Belo texto. Você encheu meus olhos com o que VOCÊ enxergou. Muito obrigado por essa sensação.

Cecília disse...

Caramba, Vitor! Adorei seu texto!! Vc tem um estilo tão poético! E engraçado, parece que tivemos impressões muito parecidas da cidade. Adorei mesmo!! Super adorei. Vc devia escrever um livro! ehehe Bjos