Poema a uma bela
A xícara é branca e bela,
E também é vazia.
Mas com isso,
Ela não se importa,
Pois é um vazio materialista.
Basta alguma boa vontade,
Com algum esforço e pronto.
O seu vazio já se dissipa,
Num mar de aparência indefinida.
A xícara não fala,
E portanto, no meu poema,
Ela não influi.
E mesmo que pudesse,
Duvido muito que tivesse
Algo de útil a acrescentar.
A xícara talvez não pense.
Mas como pode então ela existir?
Talvez haja alguma metafísica.
Ou talvez ela nem exista.
Só sei, que essa xícara me provoca.
E se eu morrer depois de tê-la tocado,
Tanto faz, pois nem uma lágrima
Irá ela derrubar.
Haja o que houver,
Na sua metafísica de objeto,
Não lhe cabe sentimentos humanos,
És bela e isso já é tudo.
E por isso se manterá impassível
A sofrimentos, dores, brigas, guerras
E até ao fim do mundo.
Pois ela existe apenas para si mesmo,
E todas as emoções que proporciona,
Ela não sente.
Como pode algo ser tão indiferente?
Me pergunto.
Enquanto minha intolerância triunfa.
Não a aceito como é.
Eu queria que ela me refletisse,
Eu queria que ela me entendesse,
E que ela me sentisse.
Mas, em sua palidez triste,
Nem para isso serve.
E talvez ela não valha nem
Uma palavra que por ela escrevo.
E talvez esta poesia tivesse
Melhor fim se fosse rasgada,
Ou se fosse reescrita,
De forma parnasiana.
Mas a xícara ainda está lá,
E ironicamente me indaga:
Eu prefiro vinho!
E você, água!?
Nesse momento,
Eu já nem vejo mais nada.
E em um instante,
Eu a atiro na parede.
E dessa fusão,
Surgem infinitos pedaços,
Que já em nada lembram
A beleza do objeto anterior.
E nem sequer um vestígio,
Uma marca, algo que desfaça
A idéia primordial que eu tinha.
Eu procurava em sua morte
Alguma essência.
Mas nem a morte,
Humaniza a xícara.
Mas o que eu queria?
Que ela gritasse?
Que chorasse?
Que sangrasse?
Não sei, não sei.
Só sei que agora,
Nem eu, nem ela
Não queremos mais.
Eu, porque me sinto um assassino.
E ela, porque realmente,
Nunca quis nada.
Flávio Vinícius
O Cortejo
Há 2 meses