23 de jun. de 2010

Causa e efeito

Causa e efeito

O Coração é o simbolo do amor. As meninas aprendem logo cedo a cultivá-lo. Margens de cadernos são talhadas de sua representação simplificada. Na web, rapidinho descobriram como desenhá-lo com letras, nada pode impedir de expressar os sentimentos por meio desse simbolo universal S2

Já o Cérebro, coitado, é estigmatizado como frio, calculista, o lado racional. Aquele sujeito malvado, que não tem sentimentos. Os psicopatas são puro cérebro, pessoas sem coração.

Os médicos que me corrijam se eu estiver errado, mas pelos meus parcos conhecimentos de biologia, esta dualidade coração/cérebro é um grande equivoco, e ainda uma tremenda injustiça com o pobre cérebro.

No complexo de reações que é sentir amor, o coração é um mero coadjuvante; ele só bate mais forte porque o cérebro (e normalmente o corpo todo) precisa de mais sangue nesses horas, sendo que quem dispara o coração é a adrenalina, e quem manda as adrenóides produzirem mais adrenalida é? Duh, o cérebro. Aliás, pelo mesmo motivo o coração bate mais rápido quando estamos com medo e com raiva. A diferença dos sentimentos está nos outros hormônios (endorfina, por exemplo) que o cérebro comanda a produção. O coração bater mais forte é um mero detalhe, que aliás ocorre em outras situações. É o cérebro que ama.

Esse senso comum é uma clara confusão de causa por efeito, é tão absurdo quando pensar que o interruptor mudou de posição porque a lampada acendeu.

Tal dualidade, concebida sobre uma falácia evidente, serve apenas para criar uma falsa dicotomia entre razão e emoção, como se estivessem ligados fisicamente a órgãos diferentes do nosso corpo. Não existe razão sem emoção, nem emoção sem razão. Às vezes conseguimos agir mais em função de um ou de outro, mas por motivos totalmente alheios a nossa vontade.

3 de jun. de 2010

Eu vos desafio!

Ou
Regras não são feitas para serem quebradas!

Sim...vos digo que regras, ao contrário do que diz uma frase popular, não são feitas para serem quebradas. Quando inteligente e feitas com real boa vontade, elas têm uma finalidade importante, seja ela social, ética etc. Não, elas não são feitas para serem quebradas, mas sim superadas! Veja, o que vos digo é diferente, as regras têm uma finalidade, porém se elas não server mais a essa finalidade ou conhece-se um outro jeito mais eficaz de se alcançar a finalidade pretendida, sim, devemos ignorá-las! Por que estou dizendo isso? Porque hoje eu vou infringir uma das regras do nosso Blog, mas com a melhor das intenções: a tentativa de gerar reflexões profundas.

Kafka foi um gênio. E, talvez, nesse conto que vos transcrevo está resumida a sua obra e a sua genialidade. Reflitam sobre. E o desafio está aberto, quem chegará mais perto da verdade? Alguém ousa me explicar esse conto?

In Franz Kafka, O processo. São Paulo, Brasiliense, 1995. 6. ed., p. 230-32.

[...] Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. "É possível", diz o porteiro, "mas agora não". Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se posta ao lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta.

Quando nota isso, o porteiro ri e diz: "Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro", O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com os seus pedidos. Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios pergunta-lhe a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que se havia equipado bem para a viagem, lança mão de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre dizendo: "Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa". Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil, e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem. "O que é que você ainda quer saber?", pergunta o porteiro, "você é insaciável." "Todos aspiram à lei" diz o homem, "como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?" O porteiro percebe que o homem já está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: "Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a".