16 de nov. de 2009

Primogênitos desgraçados

[de volta ao planeta terra]

Primogênitos Desgraçados: a glorificação do conjunto vazio

Assisti, cerca de um mês atrás, pela segunda vez na vida um filme de Quentin Tarantino. O primeiro foi Pulp Fiction, um filme até divertido, mas longe da genialidade que a ele é atribuida. A grande inovação, a inversão do roteiro, qualquer pessoa que tenha lido/visto quase qualquer história baseada no Nelson Rodrigues, por exemplo, já está mais do que acostumado.

Não vi Kill Bill, e depois de Bastardos Inglórios ficou definido que não verei.

Foi um dos piores filmes que já vi no cinema nos últimos tempos: os personagens não têm nenhuma profundidade psicológica, as atuações são caricatas, o roteiro é raso raso raso. Um exemplo, porque o Cel. não matou a menina no cap. 1? É só para ter o filme? A história é cheia de pontos sem nó como esse... não serve nem como ação/suspense clássico (tipo "Os Infliltrados")

O que salva? Ah! As cenas muitíssimo bem feitas de escalpelação, explosões, tiros.

E não tenho nenhum problema com cenas de crueldade gratuita. Em Laranja Mecânica, por exemplo, o Kubrick é tão ou mais cruel quanto, mas tudo faz sentido dentro da mensagem que o filme quer passar. Tem um propósito. Agora cheguei ao ponto que mais me incomoda. A arte tem que ter um significado desejado, aceito até que seja de contestação do próprio conceito de arte como em Duchamps. O Bastardos Inglórios é a glorificação do conjunto vazio, como se pegar tintas e atirá-las na tela fosse um espasmo de genialidade. Já disse um publicitário sobre pneus que "potência é nada sem controle".

Pode-se tentar salvar o filme falando da questão do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial. Mas quantos filmes já foram feitos sobre os judeus? Nem eles já devem aguentar mais. Quantos filmes já foram feitos sobre "a vingança contra esses caras que mataram minha família enquanto eu estava na minha"? Sem comentários. E ainda tentam me convencer que é um tratado sobre a vingança.

O filme é uma fórmula pronta, numa conjugação de temas batidos. E o que sobra? Violência. Então não fica devendo nada para pornô, é só trocar a violência pelo sexo. Eu chamo de porno-porrada. Se é para não fazer sentido, ou ter roteiro raso, eu particularmente prefiro o segundo estilo.

É uma pena que o Tarantino seja um dos poucos diretores hoje com nome para levar o público para o cinema por si mesmo. Tenho minhas dúvidas se alguém realmente se interessa pelo filme, ou pelo prazer sádico de ver cenas de violência explícita e gratuita em público.

Somos primogênitos desgraçados, refletidos na tela do cinema, aplaudindo nossa própria desgraça. Pois narciso acha belo o que lhe é espelho.

Bom, acho que vou voltar para a Lua.

"De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta"

6 comentários:

aluah disse...

Ainda não assisti tal filme.
Um dia desses peguei-me entregue aos devaneios e tentei imaginar quantos filmes já foram feitos sobre os coitados dos judeus...
Não os deixam em paz, hein?!
Mas é basicamente isso: o gozo em ver sua própria desgraça na vida de outras pessoas, assim, pensa-se não ser o único a ter uma vida medíocre - que muitas vezes ser não-único é passível de conforto. É o egoísmo do homem entrando em contradição: querer a igualdade - quando se está na merda.
Assim caminha a humanidade...


Volte sim para a lua(h)!


Um beijo,

Haula.

P.S.: Por favor, indica-me um bom filme!

érica disse...

Não assisti ao Bastardos Inglórios, ainda.
Mas gosto bastante dos outros filmes do Tarantino. "Kill Bill" (tanto o primeiro quanto o segundo)é uma das melhores colagens de influências e culturas já realizadas nessa pós-modernidade. E Death Proof é GENIAL. Catártico ao extremo! Eu pulava do sofá, gritando: "Isso! Bem-feito! Uhuuul!"...

Mas se é pra indicar um bom filme para as pessoas de sensibilidade e verdadeiro bom gosto (sem sacarsmo, juro!), deixo sempre com o "Into the Wild". Já assistiu, Vituxô?

aluah disse...

"Quem és tu?", indago eu.

Foste tu quem me encontraste ou eu que te encontrei?




Eu sou, de tudo que escrevo, tudo isso que lês e tudo o que não vês - nem lês.

Flávio disse...

Forte crítica, gostei da personalidade. Não vi, mas te entendo.
Não sei se concordo que a arte tem que ter um significado desejado. Bem, talvez ela se baste a si mesmo, não é preciso dar liçãozinha de moral ou ter significados mais profundos.
Aliás, é isso que faz Tarantino, não é também um dos meus preferidos, mas ele é exatamente isso: Ele é muito mais forma do que conteúdo. Ele é um revolucionário da linguagem, e tem muitos que gostam disso. Pelo jeito você não, nem eu...Mas, não acho que uma tenha primazia sobre a outra. Apesar de do ponto de vista intelectual ter, do ponto de vista artístico, não.

Leonora disse...

Em uma das várias matérias de psicanálise que tive certa vez na faculdade, o professor fez uma afirmação baseado nos escritos de Freud (acredito que possa ter sido mais baseado em suas próprias vivências e opiniões pessoais, mas ele não precisa saber disto), que o homem muitas vezes recorre à perversões, histerias, surtos de masoquismo, de sadomasoquismo, etc, por ser por si só um ser incompleto, em uma eterna busca do gozo que experimentou na 1ª infância, o que explicaria grandissíssima parte dos abusos, ataques de violência, etc, que muitos cometem. Acho que perdi o porque de ter escrito tudo isto, mas enfim ^^"... Pessoalmente, acredito um bocado nisto: creio que grande parte da violência mostrada no filme, e parte do "fanatismo" de algumas pessoas pelos filmes do Tarantino, se deve em parte por este vazio, o que acaba por gerar um gozo vendo o sofrimento alheio na tela do cinema. A questão dos judeus (que inicialmente foi o que me chamou a atenção p/ o filme), talvez sirva mais como pano de fundo p/ a exibição da carnificina por assim dizer, não sendo o foco verdadeiro da história, mas fingindo-se ser p/ ter mais apelo ao público. A maioria das pessoas que gostam do filme, inclusive saem do cinema comentando: "Nossa, viu o que Fulano fez com Sicrano em cena tal? Como ele bateu nele? Foi o máximo!" Talvez somente este comentário seja o bastante p/ dizer a que o filme veio. É uma pena, de fato, pois acho que da mesma forma foi com "Operação Valquíria" (não sei se viu o filme), a temática de vingança contra a Alemanha nazista pode ser algo bem interessante, dependendo da forma como é retratada. Enfim, mais uma vez, uma pena.

Beijo beijo.

Thainá Rosa disse...

"Somos primogênitos desgraçados, refletidos na tela do cinema, aplaudindo nossa própria desgraça. Pois narciso acha belo o que lhe é espelho."

Um belo tapa na cara com palavras!
(Menos violento assim!)