30 de nov. de 2006

Conto do ônibus

... o bonequinho ficou verde: já posso atravessar a rua. Ainda há carros se movendo em direção à faixa de pedestre. Não se tem certeza se eles respeitarão o sinal. Então, não se atravessa a rua por causa do sinal de pedestres, mas somente se os carros já pararam. Assim funciona o jogo de sinais.

Pois bem. Esperei os carros todos pararem e atravessei a rua.

O fone de ouvido me deixava cego diante da explosão de sons. Criam-se dois ambientes paralelos na minha mente: o do meu destino, o ponto de ônibus, e a música que escuto. Por isso apenas vi um moço braquelo, de aparência jovem e meio maltrapilho incomodar o silêncio da minha viagem. Na verdade, nenhuma palavra do que ele disse entrou nos meus ouvidos, tapados pela musica do “radinho” (minha viagem não era silenciosa).

Esqueci de dizer... eu já estava dentro do ônibus nesse momento. Como de hábito, sentado no primeiro acento; aquele em frente ao cobrador. Aquele que tem um vidro meio fosco nos separando. Sento ali porque sou espaçoso, trato minha mochila como mais um passageiro e esse é o ultimo lugar a ser normalmente ocupado pelo ônibus.

Absorto em meu universo de sons, a roleta não parava de girar. Mas já era tarde da noite e não iria ficar realmente muito cheio.

Ainda faltavam muitos lugares a serem ocupados quando uma menina pediu licença para sentar do meu lado. Era bonita. Cabelos longos e pretos. Mascava irritantemente um chiclete. Volta e meia fazia bolas com ele. Os óculos redondos lhe davam uma aparência um pouco clichê; não sei bem definir...

O mais estranho da história é que ainda tinham muitos lugares vagos no ônibus, pensei. Porque raios viera ela sentar logo ao meu lado, me obrigando a por a mochila no colo?

Foi quando eu percebi que aquela boca mastigava de uma forma displicente demais para não ser intencional. Comecei a observá-la do vidro que estava na nossa frente (tentando me concentrar ao máximo na imagem dela e não na cadeira do cobrador que aparecia logo atrás).

Ela me olhava? Parecia que sim. Talvez algum sinal pudesse tornar isso mais evidente. Interessado na situação, resolvi ficar alerta. Tirei os fones do ouvido e passei a viver em apenas uma dimensão (na verdade três). Ela realmente parecia me observar; resolvi fazer o mesmo.

Estourou. A bola de chiclete. Mas como ela pode ser tão displicente? Resolvi virar os olhos para o alto e fazer aquela cara de insatisfeito com a vida. Quando olhei de novo ela parecia imitar a minha cara de insatisfação, em meio ao trabalhoso processo de mastigar a maldita goma. Mas era de uma forma displicente demais: ela estava me imitanto!

Não. Talvez ela realmente esteja tão insatisfeita com a vida quanto eu, e tem o mesmo direito de fazer essa cara. É melhor esperar por outro sinal. Afinal, todos nós hoje somos meio insatisfeitos com a vida, né?

O ônibus deu uma guinada: começou a subir a serra! Passei a olhar a vista. Quantas luzes! É interessante imaginar que em cada luz dessa existe uma vida, com sua infinidade de laços e implicações...

Ela também olhava pela janela. Continuava me imitando. E continuava a mascar aquele maldito chiclete! Esse é o sinal: vou arriscar!!!

... mas ela também tem o direito de admirar a vista lá de cima e imaginar a vida por trás de cada luz daquela. Esse ainda não é o meu sinal.

Chegamos ao topo da serra. Comecei a bocejar: estava com sono e também queria estalar o ouvido. Mas não é que ela também bocejou? Não é possível! Tem que ser pessoal!!!

Na boa... eu estou em transe mental! Todo mundo boceja quando começa a descer uma serra! O que eu queria mesmo era um álibi para puxar papo. Carência é um problema!

Mas e se for verdade? Ai meu deus!! Oh dúvida, ô vergonha. De fato, se eu fosse pensar racionalmente, não tenho nada a perder: to aqui nesse ônibus maldito sem fazer nada mesmo, perdendo meu tempo, meu precioso tempo. Nisso o ônibus já tinha terminado de descer a serra. Quando finalmente tomei coragem de obedecer ao que os sinais me indicavam, ela deu o sinal!

Levantou e puxou a cordinha...

(agora vai dizer que você não estava torcendo por mim?)

O motorista, do alto de sua sabedoria sociológica e lingüística compreendeu mais rápido que eu a situação. Parou o veículo no ponto seguinte. Ela então já caminhara em direção a porta traseira, a saída.

Eu coloquei de volta o a minha quarta dimensão no ouvido e continuei meu caminho rumo: casa. Se fosse um filme, talvez eu descesse do ônibus. Ela bem que poderia ser o amor da minha vida. Ou não. Mas já era tarde, eu estava cansado de um dia estressante e estava doido por um jantar requentadinho!

Como é difícil compreender o jogo de sinais...

Você que aturou a historinha até aqui. Acha que ela aconteceu de verdade? Sim?

Tudo bem. Sempre achamos o “baseado em fatos reais” mais interessante que nossos devaneios... a resposta é não (apesar de alguns elementos, como o ônibus, conversar com as pessoas que sentam ao lado, o espelho do trocador e a travessia da rua fazerem parte do meu cotidiano)

Mas seu eu consegui ilustrar a complexidade do jogo de sinais e das interpretações que damos aos diferentes fatos, de acordo com o que desejamos que a situação seja e não do que ela realmente é; se eu consegui mostrar que às vezes abandonamos oportunidades impares em nome de nossos desejos medíocres e simplórios, ou em nome de medos irracionais; ou se ao menos eu consegui fazer você fugir da própria cabeça e diverti-la com algumas bobagens, minha missão está para lá de cumprida!

14 de nov. de 2006

Balada do poeta amoroso(Ou ignorado)

Ah, Poesia como te amo,
Te amo por demais!
Amo teus enredos
Tua musicalidade
Teus versos magistrais!
Tua métrica perfeita.
Ou
Tua forma assim desfeita
Por poetas que quiseram mais!

Amo tanto tuas rimas
Raras, ricas, preciosas, escondidas!
Nas almas incompreendidas,
De poetas imortais!

Ah, Poesia como te amo,
Te amo porque me satisfaz!
De suas carícias vivo
E sem ti, todas as outras artes
São do Tédio sucursais!

Ah, como te amo!
Amo todos os poetas
Incompreendidos pelo povo,
Barrocos e Surreais!

Amo-te inigualável arte!
Que me inspira a viver em paz!
Pois te versando vou tecendo
Tantos inatingíveis pensamentos,
Que nem o tempo corrompe jamais!

Ah, Poesia que eu amo!
Me ensina o que se faz!
Para viver nesse estranho mundo.
Onde poesias são meros enfeites
Jogadas fora como jornais.

Bem, Poesia que já se vai!
O bom é que para você...
Tanto faz!
Os poetas e seus amores,
Os mistérios da noite, da vida e da morte!
Para você, são todos iguais...
Era um nó
E estava na garganta
Na trança desmanchada
Na corda que te puxava um pouquinho mais
para perto de mim
Fita fina e vermelha
Ramificada, levava cor do rolo ao chão
E contava, num sussurro, algo que se esquecia
Era uma fita cor de sangue
Era uma tinta
Daquelas de textura já grossa com bolotas que davam
um aspecto revolto ao mar
Mas o silêncio das pinceladas da menina
acalmavam a fúria marinha num
misto de genialidade e delicadeza, quase
que uma gentileza aquela pintura
Quanto jornal!
De ontem, de muitos ante-ontens
cobriam algo que o pé escapava
Era um pé menino com a unha do dedão
roxa, culpa do bicão na bola
Pé sujo, pé pronto para correr
Mas se assustou e tropeçou
E, assim, o fogo o atingiu
E no jornal o corpo se escondeu
O corpo que fora de um menino
Era vida
Um karma, uma vitória, uma saída,
um fim, uma esperança, um recomeço,
um reencontro, uma luta.
Um filho, uma resposta
Muitas vidas
Em uma só
Um só

A solidão que nos consome e que como efeito escolhemos nos isolar cada vez mais.
O medo e a culpa, eles nos apressam e assim não questionamos o nó e a angústia que sentimos, não percebemos as belezas simples e reais, não mais nos deixamos compadecer com o sofrimento alheio e assim não nos impulsionamos para procuramos uma solução.
Mas são vidas e mais vidas, muito tempo, não é, companheiro?
Ah, farei amanhã.
Votarei com consciência amanhã.
Direi que te amo amanhã.
Perdoarei o filho amanhã.
Largarei amanhã.
Acordarei amanhã.
Viverei amanhã.
Amanhã.
Um brinde a esse amanhã que nunca chega, a esse fantasma do futuro que pertubamos, figurando nele a solução que evitamos procurar.
Super-herói.
E num ato de pura "ousadia" questionamos: para que procurar a solução?

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Piiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!
Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!
- É, acabou. – fala, arrumando a gravata.
- Percebi.
- Você está caidinha ainda, Clarice. Precisa sair, usar uma maquiagem, roupas bonitas que explorem seu corpo e beleza.Vá se divertir. Já falamos sobre isso.
- Mas você me perguntou o que eu estava pensando e eu falei, o que tem haver com saídas e batom?
- Essa bipolaridade sua, isso assusta seus familiares ainda. Você é nova, vá curtir a vida.
- Acho que o fato de eu ser humana assusta eles.
- Clarice, mesmo sendo humana saiba que você é capaz dos feitos dos anjos, é capaz de tudo.
- E nesse tudo não inclui ficar triste às vezes?
- Bom, por hoje é só. Até quarta-feira? Te avisaram que nossa próxima conversa não será na terça?
- Sim.
- Ok. Então... – diz enquanto levanta-se encaminhando ela para a porta azul-... até quarta!
- Um dia, eu te entendo.
- É.
- Tchau, até.- e vai embora.

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"Deixamos para amanhã viver,
deixamos para amanhã viver com dignidade
Talvez a morte nos cai bem
talvez seja essa a solução
para os simbolistas de plantão
para mim, não

fita
tinta
jornal
viola
violeta
vida
vida
Quanto mais me tiram ela, mais dela brota em mim, mais dela fica no meu ser.
Vida e mais vida ..."- rabiscos de Clarice na parede de seu quarto.

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Carpe diem,senhoritas e senhores.


Mariana